segunda-feira, 28 de maio de 2007

Palavras

- Escolha as palavras certas. Ser propício pode te levar longe. A sua língua tem o poder de te transportar a lugares inimagináveis, é capaz de mudar situações, criar empatia ou contenda. No coração, a fonte. Palavras sem ele expressam simples aparência (uma maneira cordial de dizer mentira). Maneira cordial? E as palavras são capazes de suavizar até mesmo coisas repugnantes como essa. Ledo engano... Às vezes falamos sem pensar, as frases parecem brotar dos lábios, e assim não conseguimos cerrá-los em tempo hábil. Ferimos pessoas que amamos e criamos ambientes hostis onde a tensão faz o coração pulsar e nos coloca em contato com os nosso sentimentos mais instintivos. As palavras são aptas para nos catalogar em função da maneira como as usamos. Encontramos os calados, os eloqüentes, os objetivos, os irreverentes, e tantos outros que se me delongasse a descrevê-los seria bem-vindo ao grupo dos prolixos. Como um pequeno leme que conduz um grande barco, assim é como nossa língua é metaforicamente descrita pela palavra. No silêncio há sabedoria. Cale, pense, fale. É necessário ter responsabilidade, pois a palavra é como uma flecha lançada, já dizia algum chinês. Na mente um enorme acervo adquirido ao longo da vida, utilizá-lo convenientemente é uma virtude: sensatez. Devemos ser lúcidos, devemos agir prudentemente, lutar para que nossas palavras sejam bálsamo para o nosso próximo e que venhamos a nos tornar como o sândalo que perfuma o machado que o fere. Você ia dizendo?
- Deixa pra lá.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

O Altruísta

Hoje chove, máxima de 12 ºC nessa metrópole. Ele saiu de casa bem cedo, o guarda-chuva ainda no plástico, fazia tempo que não esfriava tanto. O bom-dia no elevador incomoda o receptor, mas ele é mesmo assim, gentil.
- Olá, tudo bem?
A pergunta é realmente interessada, mas a resposta sempre displicente retorna:
- Tudo, e você?
E se vai. Não há tempo para diálogos, mas também não é preciso ser rude, essas frases prontas são boas saídas pra essas situações corriqueiras. E tudo segue nesse ritmo mecânico, o cotidiano parece tão frio, mas ele segue desafiando o mundo num belo contraste promovido pelo amor. E o que é o amor? Engraçado é ouvir essa pergunta, provoca uma sensação de déjà vu. Definir é complicado porque corremos o risco de sermos simplistas com reducionismos, no entanto encontramos passagens sagradas que nos direcionam: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”; “o amor não busca os seus próprios interesses”, essas são frases que parecem ter um peso quase insuportável, são confronto, um tapa na cara do orgulho que criticamos e cultivamos. Parece até contraditório, mas quem não é? Ele não.
Um mendigo na rua lhe estende a mão na esperança de conseguir alguns trocados. Freqüentemente ele é solidário, mas hoje não trouxe moedas, então ele olha nos olhos do pobre homem e nesses poucos segundos oferece a ele, calado, aquilo que a muito ele não experimentava: dignidade. Como ele pode ser capaz de amar a um desconhecido, em outras situações até mesmo aqueles que consideraríamos seus inimigos? Insanidade? Alguns chegam a acreditar que ele é cândido por natureza, alheio a todos os sentimentos ruins inerentes aos seres-humanos, mas isso não é verdade. Ele é conflito. Uma militância ocorre no seu interior; carne e Espírito numa batalha constante e em meio a toda essa altercação ele desfruta de uma paz que excede a todo entendimento. Essa paz não vem dele, é algo transcendente, resultado de sua comunhão com Deus. O Espírito se fortifica e é assim que ele anda, não é perfeito, mas procura ser.
Ele busca significado em tudo o que faz, não consegue ser tão leviano como a maioria. Exala o perfume de Cristo, para uns cheiro de vida, para outros, morte. A sua presença não passa desapercebida, ela provoca sensações diversas. Existem pessoas que o admiram, há também os que o condenam, alguns medem as palavras quando estão com ele; as piadas, brincadeiras, comentários, tudo passa por um filtro que parece ser composto de respeito e medo. Mas ele não julga ninguém, a não ser a si mesmo. O reconhecimento humano não o alimenta, a aprovação divina é o seu sustento. Se vivesse em outra época, poderia facilmente ter se tornado um dos mártires da igreja primitiva que encontramos nos livros de História. Nesse mundo pós-moderno, ele luta contra os leões do egoísmo. Ele ainda é uma espécime rara em nossos dias, um cristão.
O tempo é ininterrupto, já está quase anoitecendo e ele volta pra casa. Toma um banho quente e o seu canto de louvor ecoa pelo banheiro adornado com azulejos. Mais um dia chega ao fim, mais um dia ele deixa marcas eternas... marcas de Cristo.
“Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação o ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.” (Filipenses 2:3,11)

Hélvio Sodré

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Seres Volitivos


vo.li.ção

sf (lat volitione) 1 Psicol Processo pelo qual a pessoa adota uma linha de ação; atividade consciente que visa a um determinado fim manifestada por intenção e decisão.

Mergulhados em um mundo repleto de apelos, mundo que nos identifica como seres, ou pelo menos busca, ludicamente, fornecer uma realidade material, hermeticamente fechada e empiricamente provada pelo viés da especulação e pelos devaneios e insights dos líderes de opinião, nos vemos num dilema que é sufocado pela falsa sensação de liberdade: somos seres essencialmente volitivos?
Os mais céticos ou crentes, dependendo do ponto de vista, podem dizer que nossas tendências naturais e nossa formação conjugam de maneira tal que as possibilidades de escolha são reduzidas e o processo de decisão é profundamente afetado, ao ponto de acorrentar o que julgamos ser o livre arbítrio. Possuímos anseios, desejos, vontades que prefixamos com pronomes possessivos e que geram criações e sonhos que abastecem as nossas energias na jornada em busca pela realização.
Não há como negar que agentes externos nos influenciam, mas será que internamente existe condição ideal? Gravidade zero? Somos seres livres? Somos realmente capazes de alcançar essa isenção adentrando no mais profundo do nosso ser e ficando, assim, alienados do mundo que nos cerca? E se isso for possível, será que seremos capazes de transformar nossa subjetividade? Será que encontraremos um vácuo ou alcançaremos a paz ao entrarmos em consonância com a nossa essência?
Pensar assim me parece assustador a partir do momento que percebo o emaranhado que somos e a que ponto estamos infectados e dominados por algo incrustado em nós. Pecado. Encontramos por todos os lados, uma distorção da nossa condição inicial, condição essa que não experimentamos até então. Reféns de nós mesmos, não somos seres independentes. Esses anseios gritam, não há inércia. Agimos, corremos, e enquanto isso são liberadas substâncias que nos agitam, frisson, nos motivam, o ópio. E seguimos... refletir dói, reconhecer é retroceder nesse mundo no qual parecer pode ser ser e o ser é questionável. Brincamos e brindamos, sujeitos à nossa própria sorte. Somos breves. A incerteza nos faz ser intensos, a intensidade pode ser perigosa e quase sempre condenável. Somos volitivos? Acreditar que sim nos conforta.
Dizem que, na verdade, somos metamorfose. As águas são outras, mas mais uma vez estamos de volta ao mesmo rio. Precisamos desaguar, precisamos nascer, precisamos de manutenção, deixar as coisas em ordem, essa parece ser a razão e o objetivo. Segurança. Não a encontramos em nós, então fingimos, representamos e os aplausos nos conduzem pelo doce caminho do onírico, onde transitamos para não sermos consumidos pelo real.
Somos volitivos? Somos escravos. Somos livres... Decida! Ficar em cima do muro revela fraqueza. Seja forte. Reaja! É preciso emitir juízo de valor... É simples, basta passear pelo sortido mercado das opiniões. Sofisticadas ou simples, todas elas enlatadas, disponíveis pelo preço que você puder pagar. Todas questionáveis, mas não diga isso... Não perca tempo, apenas decida, ou seja levado pela multidão entretida. Precisamos acabar com essa angústia, é preciso acreditar em qualquer verdade.
Precisamos de propósito, existe um vazio que ninguém pode negar. Fomos criados. Pecado, Justiça, Juízo, esse é o nosso destino. Convencimento... Estamos cegos, surdos, mas não mudos, e falamos, falamos, falamos, loucuras, já roucos.
O despertar vem pelo Espírito Santo. Milagre. Conversão é salvação. Graça, quão maravilhosa é, imensurável, humanamente incompreensível. Volitivos? Escolhemos, mas não mudamos a rota. A passos largos para a condenação rejeitamos a graça. Glórias a Deus por nos salvar, por nos resgatar, por nos libertar, por decidir por nós. “Não escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós” (João 15:16). Soli Deo Gloria.

Hélvio Sodré