Hoje chove, máxima de 12 ºC nessa metrópole. Ele saiu de casa bem cedo, o guarda-chuva ainda no plástico, fazia tempo que não esfriava tanto. O bom-dia no elevador incomoda o receptor, mas ele é mesmo assim, gentil.
- Olá, tudo bem?
A pergunta é realmente interessada, mas a resposta sempre displicente retorna:
- Tudo, e você?
E se vai. Não há tempo para diálogos, mas também não é preciso ser rude, essas frases prontas são boas saídas pra essas situações corriqueiras. E tudo segue nesse ritmo mecânico, o cotidiano parece tão frio, mas ele segue desafiando o mundo num belo contraste promovido pelo amor. E o que é o amor? Engraçado é ouvir essa pergunta, provoca uma sensação de déjà vu. Definir é complicado porque corremos o risco de sermos simplistas com reducionismos, no entanto encontramos passagens sagradas que nos direcionam: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”; “o amor não busca os seus próprios interesses”, essas são frases que parecem ter um peso quase insuportável, são confronto, um tapa na cara do orgulho que criticamos e cultivamos. Parece até contraditório, mas quem não é? Ele não.
Um mendigo na rua lhe estende a mão na esperança de conseguir alguns trocados. Freqüentemente ele é solidário, mas hoje não trouxe moedas, então ele olha nos olhos do pobre homem e nesses poucos segundos oferece a ele, calado, aquilo que a muito ele não experimentava: dignidade. Como ele pode ser capaz de amar a um desconhecido, em outras situações até mesmo aqueles que consideraríamos seus inimigos? Insanidade? Alguns chegam a acreditar que ele é cândido por natureza, alheio a todos os sentimentos ruins inerentes aos seres-humanos, mas isso não é verdade. Ele é conflito. Uma militância ocorre no seu interior; carne e Espírito numa batalha constante e em meio a toda essa altercação ele desfruta de uma paz que excede a todo entendimento. Essa paz não vem dele, é algo transcendente, resultado de sua comunhão com Deus. O Espírito se fortifica e é assim que ele anda, não é perfeito, mas procura ser.
Ele busca significado em tudo o que faz, não consegue ser tão leviano como a maioria. Exala o perfume de Cristo, para uns cheiro de vida, para outros, morte. A sua presença não passa desapercebida, ela provoca sensações diversas. Existem pessoas que o admiram, há também os que o condenam, alguns medem as palavras quando estão com ele; as piadas, brincadeiras, comentários, tudo passa por um filtro que parece ser composto de respeito e medo. Mas ele não julga ninguém, a não ser a si mesmo. O reconhecimento humano não o alimenta, a aprovação divina é o seu sustento. Se vivesse em outra época, poderia facilmente ter se tornado um dos mártires da igreja primitiva que encontramos nos livros de História. Nesse mundo pós-moderno, ele luta contra os leões do egoísmo. Ele ainda é uma espécime rara em nossos dias, um cristão.
O tempo é ininterrupto, já está quase anoitecendo e ele volta pra casa. Toma um banho quente e o seu canto de louvor ecoa pelo banheiro adornado com azulejos. Mais um dia chega ao fim, mais um dia ele deixa marcas eternas... marcas de Cristo.
“Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação o ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.” (Filipenses 2:3,11)
Hélvio Sodré